O projeto Psicanálise na Rua, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), realizou uma manifestação no fim da tarde desta quarta-feira (16), clamando por justiça pelas mortes de Ney Muller e Cleia Lina, pessoas em situação de rua brutalmente assassinadas na semana anterior. O ato, marcado por emoção e indignação, aconteceu em frente ao Museu de Arte e Cultura Popular (MACP), no bairro Boa Esperança, em Cuiabá — local onde Ney foi morto com um tiro na cabeça.
Com velas acesas e cartazes com palavras de ordem, os manifestantes exigiram respeito, justiça e políticas públicas efetivas voltadas à população de rua, frequentemente invisibilizada e vítima de preconceito, descaso e violência. O grupo destacou a importância de não permitir que essas mortes sejam naturalizadas ou esquecidas, como tantas outras que atingem pessoas em situação de vulnerabilidade social.
A coordenadora do projeto, professora Adriana Rangel, psicóloga e doutora da UFMT, classificou a realidade das ruas como “brutal e desumana”, agravada pela falta de políticas públicas e pelo desmantelamento do SUS.
“Acham que eles são malandros, vagabundos, doentes. Mas essa é uma população extremamente frágil. Muitas vezes com transtornos mentais graves, como era o caso do Ney, que era diagnosticado com esquizofrenia. Ele foi internado diversas vezes, mas estava desassistido”, explicou.
A manifestação também foi um ato simbólico de luto coletivo. Para Adriana, o assassinato de Ney e a morte de Cleia representam o reflexo de uma sociedade que perdeu a capacidade de reconhecer a humanidade no outro.
“Essa naturalização da violência extrema está colocando toda a nossa sociedade diante da barbárie. Quando a gente não reconhece a humanidade do outro, estamos diante do fim do mundo”, completou.
As mortes
Na noite de quarta-feira (9), Cleia Lina dos Reis, de 44 anos, foi atropelada por uma carreta no bairro Porto, em Cuiabá. Conhecida no semáforo da loja Flamboyant, Cleia era descrita por quem a conhecia como uma mulher doce e tranquila, especialmente quando sóbria. Morava nas ruas e morreu de forma trágica, com a cabeça esmagada.
Poucas horas depois, Ney Muller Alves Pereira foi assassinado com um tiro na cabeça, disparado por Luiz Eduardo Figueiredo Rocha e Silva, procurador da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). O crime ocorreu na rua Edgar Vieira. De acordo com as investigações, o procurador chamou Ney até o carro, uma Land Rover, e atirou. Ele fugiu em seguida.
Na tarde seguinte, Luiz Eduardo se apresentou à polícia e foi preso em flagrante por homicídio. Em depoimento, alegou que Ney teria danificado seu veículo, que não sabe o que passou em sua cabeça no momento do disparo, e que “agiu por impulso”.
Clamor por justiça e dignidade
O projeto Psicanálise na Rua pede que o caso não seja abafado e que o poder público assuma sua responsabilidade em garantir dignidade, saúde, segurança e vida para todos, inclusive aqueles que vivem em situação de rua.
“Estamos fazendo um ato de luto e resistência, denunciando a barbárie. A morte de Ney e Cleia não pode cair no esquecimento. Precisamos de ações concretas, e não só de comoção momentânea”, finalizou Adriana Rangel.