Rogério Mendes transforma muros em telas e utiliza o grafite para retratar histórias e lutar por representatividade.
Andar pelas ruas de Cuiabá e se deparar com muros estampados pelas cores vibrantes do grafite é uma experiência que tem se tornado cada vez mais comum. Por trás dessas expressões urbanas, que atraem olhares e provocam reflexões, está o trabalho de artistas como Rogério Mendes, 36, que utiliza o spray para dar vida a narrativas carregadas de significado.
Natural de Francisco Morato, São Paulo, Rogério chegou a Mato Grosso em 2013 para estudar geografia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no campus de Rondonópolis. Três anos depois, decidiu mudar para o curso de filosofia e se estabeleceu em Cuiabá, onde encontrou um cenário artístico mais vibrante.
Um talento precoce que encontrou inspiração na periferia
A relação de Rogério com a arte começou cedo. Ele ainda se lembra do dia em que, aos 6 anos, pegou um papel e desenhou sua mãe segurando uma panela. Aos 12, a habilidade foi aprimorada em um projeto social que oferecia cursos de desenho gratuito. No entanto, foi na 5ª série, ao assistir um grupo de grafiteiros transformar o palco de sua escola, que sua paixão pelo grafite nasceu.
“Foi o primeiro contato vívido que eu tive com o grafite. Eu fiquei maluco quando vi aquilo. Comecei a perceber essa arte espalhada pela cidade, o que aguçou minha percepção artística”, relembra.
Aos 15 anos, o skate aproximou Rogério ainda mais da cultura urbana e do hip hop, o que o levou ao grafite. Influenciado por grafiteiros paulistas, ele deu os primeiros passos na arte de pintar muros.
Arte que transcende barreiras geográficas e sociais
Quando chegou a Rondonópolis, Rogério enfrentou o desafio de ser o único grafiteiro do município. Mesmo assim, não abandonou a paixão. “Eu continuei pintando”, afirma. Com a mudança para Cuiabá, em 2016, ele encontrou uma cena mais ampla, onde pôde expandir sua atuação.
Em 2021, o reconhecimento veio com o prêmio no 26º Salão Jovem Arte, na categoria graffiti e muralismo. No entanto, foi em 2023 que Rogério viveu um dos momentos mais marcantes de sua carreira: a criação de um mural de 16 metros de altura por 10 metros de largura no bairro Heliópolis, em São Paulo. A obra, intitulada Descanso, retrata sua mãe, uma mulher negra e empregada doméstica, sentada na praia olhando para o horizonte.
“Foi o maior mural que já pintei e uma das experiências mais importantes da minha vida. A obra carrega uma denúncia social sobre o descanso negado aos trabalhadores. Minha mãe, mesmo morando no litoral, raramente vai à praia por não se sentir no direito”, relata o artista.
Grafite como voz para a periferia
Rogério enxerga o grafite como muito mais do que uma expressão artística; para ele, é uma plataforma de denúncia e valorização das populações marginalizadas. “Quero me comunicar com a população negra e da periferia. Pintar uma mulher negra em uma fachada de 16 metros é uma forma de mostrar que essas pessoas existem e têm histórias que precisam ser contadas”, explica.
Em cada obra, Rogério Mendes transforma muros em telas que contam histórias, denunciam desigualdades e valorizam a diversidade. Seu trabalho, que combina talento, sensibilidade e uma profunda conexão com a cultura urbana, continua a colorir não apenas as ruas de Cuiabá, mas também os corações daqueles que encontram sua arte.